quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Padre José Martins Gonçalves Pedro
Resumo de uma história de vida e exemplo a seguir.
       José Martins Gonçalves Pedro nasceu no Sabugal no dia 11 de maio de 1932. Os seus pais, Maria Adelaide Martins e Jerónimo Gonçalves Pedro já tinham tido cinco filhas, das quais umas gémeas. Só tinha sobrevivido uma menina, Maria de Lurdes, então de 3 anos de idade. O Senhor Jerónimo estava tão feliz de ter, por fim, um filho, que ofereceu Triple Seco a todos os vizinhos e charutos aos homens.  Isso, o José o soube muitos anos mais tarde, já pároco, por uma pessoa que tinha participado na celebração improvisada.
A família tinha uma situação económica boa já que, a parte dos Productos agrícolas, dispunha também do ordenado do pai, cabo da Guarda Fiscal no Sabugal. Uns anos depois, passou a exercer de comandante no posto de Malcata, quando uma lei proibiu que um guarda fiscal seja destinado ao município do qual era natural a sua mulher, o que era o caso da senhora Maria Adelaide, nascida no Sabugal. Receber um salário de funcionário público era todo um luxo, numa época onde apenas circulava o dinheiro, a economia sendo mais bem de circuito fechado, com a troca como prática corrente.
Aos 4 anos, o José tinha uma pequena amiga da sua mesma idade, Ermelinda, também filha dum guarda fiscal, que frequentava a “escola de Dona Josefina”. Esta senhora, viúva dum capitão do exercito, ensinava a ler e escrever às crianças cujos pais podiam permitir-se fazer este gasto, o que lhe permitia melhorar a sua pensão. Havia que pagar uma pequena mensalidade e cada menino tinha que trazer a sua mesinha, a sua cadeira e o seu braseiro no inverno. Estava fora do alcance da maioria da gente. O José queria ir com a Ermelinda e chorou, chorou até que o seu pai aceite e, assim, começou a dar livre curso  ao que ia ser a sua paixão toda su vida: aprender coisas novas e ler todo o que podia: livros, jornais. Boa parte da sua aprendizagem de leitor assíduo, a fez lendo cada dia “O Primeiro de Janeiro” no posto da Guarda Fiscal.
Com os 7 anos chegou o tempo de entrar na escola oficial. Desde o principio mostrou-se um aluno brilhante. Destacava no cálculo mental e gozava de uma excelente memoria. Ele contava que, um dia, se estava a organizar uma festa com uma representação teatral. Buscava-se um menino capaz de declamar um monologo titulado “Ferrabras”. Só precisou de poucos minutos para o memorizar inteiro e obter o papel. O teatro foi outra das suas afeições e, na faculdade de teologia, chegou a criar uma companhia que até montou, com êxito, uma sessão no Sabugal.
Aos 11 anos, estava por terminar a escola primaria quando o seu pai levou-lhe a ver o senhor Albano, o alfaiate. O Senhor Jerónimo queria pagar-lhe para ensinar a profissão ao seu filho. O José não disse nada, mas, no dia seguinte, não fez absolutamente nada na escola. O professor, muito admirado pelo mudança tão drástica, perguntou-lhe porque estava assim, tão calado. O José respondeu que já não valia a pena porque o seu pai queria que fosse alfaiate. Então o professor disse-lhe que não tinha por que preocupar-se, que ele mesmo ia falar com o Senhor Jerónimo para encontrar uma solução. O liceu mais próximo estava na Guarda, a uns 30 km, o que, neste tempo era muito, não se podia nem pensar ir e vir cada dia. Foi assim que surgiu a hipótese do seminário. O Senhor Jerónimo perguntou ao José se queria ir e ele se interessou só por uma coisa: “E aí, se pode estudar?” . Perante a afirmativa, aceitou com entusiasmo, sem pensar mais no que isso implicava. Já tudo estava dito e só faltava preparar o enxoval.
Como cada ano, José se foi de férias a Povoa de Varzim, na colónia do Ministério de finanças, mas era o ano 1943, havia poucas semanas que o governo português tinha permitido a Grã-Bretanha o uso das bases dos Açores. Hitler ameaçava bombardear Portugal e, para não correr o risco de não regressar a tempo, o José viveu a sua primeira aventura em solitário já que tomou sozinho o comboio de volta, comboio cujas janelas estavam pintadas de azul, no quadro das medidas de defesa passiva.
O Senhor Jerónimo acompanhou o seu filho até o seminário menor do Fundão  a onde chegaram os primeiros.  Foi só quando se despediu do seu pai que se deu conta do que significava ser interno y só voltar a casa duas vezes ao ano, no Natal e pelas ferias de verão, mas, depois de insistir tanto para continuar a estudar, nunca comentou nada do perdido que se sentiu quando se viu sozinho, em meio de estranhos. Isso fez que passou de ser um menino alegre e extrovertido a entusiasmar-se.
Uma vez assumida esta realidade, o que havia de fazer era olhar para frente e adaptar-se à nova vida. José continuou a ser o mesmo aluno brilhante mas sucedeu algo que ia marcar-lhe pelo resto da sua vida. Um dia que só tinha sido segundo, foi chamado no gabinete do reitor que repreendeu-lhe com severidade, dizendo-lhe que tinha que ser sempre o primeiro. Este episódio impressionou-lhe muito, a tal ponto que lhe condicionou para sempre. A partir de então pensou que não tinha direito a fracassar, nunca, em nada, mas tiveram que passar dezenas de anos antes de contá-lo a alguém. Depois do Fundão, ingressou na faculdade de teologia da Guarda. Não parava de organizar actividades, tal como a tropa de teatro antes mencionada, o un grupo de boys-scouts. Tinha tanta fome de aprender que até pagou a um empregado do seminário para fazer una copia da chave da biblioteca para poder aceder a todos os livros, inclusive os que estavam no index.
Aos 19 anos, num momento que estava muito cansado porque, além dos seus estudos, estava a traduzir um livro, no meio duma aula, caiu de repente e sofreu uma crises parecida à epilepsia, que nunca mais se repetiu, e ficou inconsciente um tempo longo. Isso fazia difícil que possa ser sacerdote mas era algo que não podia admitir porque teria sido um fracasso. Pediu permissão ao bispo para seguir em paralelo os estudos civis e, ao mesmo tempo, foi a consultar em Coimbra o famoso neurólogo Prf. Dr. Eliseu de Moura que, depois de examiná-lo, disse-lhe que não tinha nenhuma doença, só um sistema nervoso muito delicado e que tinha que cuidar-se mas que el único tratamento que lhe prescrevia era comer muitas maçãs e alface, não fumar e não beber álcool além de vinho tinto, nada mais.  Já não havia travão nenhum. Do seu mesmo ano, só três chegaram a sacerdote e ele foi um deles.
Tinha 23 anos, cantou missa por primeira vez na capela das aparições de Fátima. Já sabia que o seu destino era as paroquias de Aldeia do Bispo e Aldeia de João Pires. Foi a pedir para o seu pai a reforma antecipada porque queria levar consigo toda a sua família e assim foi. Chegaram ao sitio na data da são Bartolomeu, mas a sua instalação oficial foi no Domingo seguinte. Na sua homilia disse que estava para estar ao serviço do povo e a maior parte da gente pensou que eram só palavras, até que podiram constatar que não era coisa de um dia.
Como já relatei antes, o José não havia entrado ao seminário por vocação. Era simplesmente a forma de continuar a estudar, mas, uma vez aí, se conjugaram vários elementos que lhe impulsionaram a seguir nesta via: primeiro,  um   professor que teve, o Padre Mário, que dizia que seria uma pena se ele abandonasse,  morreu muito jovem e isso fez que sentiu algo como uma obrigação, segundo, ele tinha ouvido muitas reflexões anti-clerical dizendo, por exemplo, que muitos, mais que vocação, tinham vocação e o José pensava que ele mostraria que nem todos eram iguais, terceiro, outra vez em relação com o que o reitor lhe tinha dito, não queria dar razão a todos os, muitos numerosos, que diziam que terminaria escolhendo outro caminho. (Dona Dulce, a irmã do Padre Miguel do Soito, que vivia em Malcata lembrou, quando fomos a visitá-la, em 1991 que, o José quando foi a dizer a missa aí, comentou: “ Alguns diziam que eu cantaria missa quando as galinhas tiverem dentes, pois as galinhas ainda não têm dentes e eu já cantei missa!”). O que verdadeiramente tinha o José era vocação de serviço aos seus semelhantes.
Nas suas paróquias, o que queria era estar no meio do povo, ajudar verdadeiramente a gente. Tinha todo o apoio do bispo, Dom Domingos Silva Gonçalves. Sempre foi um vulcão em erupção, um torvelinho, as ideias nunca lhe faltaram. Logo começaram  as lutas já que as autoridades ciciles não gostavam para nada das suas iniciativas e, muito menos, da sua maneira de actuar, sem avisar nem pedir permissão. Foi decisiva a ajuda entusiasta do Dr Pires Marques e do Dr Martins da Cruz.  Também participou muito a nível económico a Dona Carlota, viúva de Pina Ferraz, com quem a relação foi sempre óptima. Professavam-se uma recíproca admiração. Muitas vezes ela ia pessoalmente entregar os seus donativos.
Uma das grandes batalhas do Padre Pedro foi a criação do mercado, a coisa foi tão longe que esteve a ponto de ser detido pela GNR.  Quando a situação ameaçava pôr-se feia, o Dr Martins da Cruz dava a voz de alerta e o Padre Pedro ia um dia ou dois a Lisboa enquanto o seu amigo arranjava o assunto. Houve a instalação da farmácia Ildefonso, a criação da Filarmónica de Aldeia de João Pires, do Centro Paroquial de Assistência Social, o desenvolvimento da acção da Cáritas, sem esquecer as melhorias da igreja, como, entre outras, a aquisição dum órgão, pela qual uma vizinha quis contribuir levando ao Padre um lenço cheio de dinheiro....  A porta do pároco estava sempre aberta.  Às vezes, em meio da noite, uma criança estava doente, com febre, e o médico não queria levantar-se. Então os pais andavam a procura do Padre que era o único capaz de obrigar dito médico a abandonar a sua cama.  A Senhora Maria Adelaide, a sua mãe, ajudava muito, era ela que, a maior parte do tempo, recebia as pessoas, que ficavam muito admiradas de ver que ela sabia ler e escrever, algo insólito nestes tempos. Ela não era uma mulher corrente, leia muito, até chegava a entender textos escritos em Francês e, provavelmente dela o filho herdou a paixão da leitura.
O mais duro foi a fundação do colégio, tanto que ele, embora estava muito teimoso, esteve a ponto de desistir. Não o fez graças aos seus pais que disseram-lhe: “Então, é para isso que te fizemos estudar, para abandonar quando  as coisas estão difíceis!”. Obter as autorizações não foi precisamente um caminho de rosas, mas, por fim se conseguiu.
O Padre Pedro não estava bem visto pelo poder político da época. Quando havia eleições, se abstinha, o que era um desafio ao regime, mas ele dizia que não valia a pena votar, uma vez que tudo estava decidido de antemão. Um agente da PIDE escutava as suas homilias. Tinha uma espinha cravada: quis aprender a pilotar um avião e foi a inscrever-se na aeródromo de Cascais, mas, quando se presentou para tomar a segunda lição, à entrada, esperava-lhe um agente da PIDE para entregar-lhe uma carta assinada pelo mesmo Salazar, que lhe proibia a entrada a todos os aeroportos e aeródromos do continente, das ilhas e do ultramar. A mesma carta tinha sido enviada a sua casa de Aldeia do Bispo.
A ideia do colégio veio da sua própria experiência. A ele lhe tinha aparecido a opção do seminário, mas também era muito caro, não os estudos mas, por exemplo, só o enxoval exigia gastar muito dinheiro. Por outro lado, pelas raparigas, a coisa estava ainda mais fora de alcance. Ele queria dar uma oportunidade a todos os que a desejavam. Foi uma aventura que começou em Aldeia do Bispo, mas surgiu um problema porque já havia um estabelecimento de ensino secundário em Penamacor e existia uma norma dizendo que só podia haver um por concelho. Graças ao Dr Pires Marques que facilitou o prédio, o colégio pode ser trasladado a Medelim, no concelho de Idanha-a-Nova.
Para ter uma ideia do que significaram todas estas novidades para estas terras, a nível de desenvolvimento global e de desenvolvimento pessoal dos seus habitantes, basta com ouvir os testemunhos dos que, delas, se beneficiaram.
Na administração do colégio colaborou muito o Senhor Jerónimo. Igualmente o Padre Pedro sempre destacou o grande trabalho do seu irmão, o Dr Augusto que, a terminar os seus estudos, incorporou-se como professor e na direcção.
Cabe também lembrar a importância da carrinha que transportava os alunos e do seu chofer, o senhor José Maria, que herdou o nome de “Zé da carrinha”, um fiel incondicional. As viagens que, muitas vezes fizeram a Lisboa ou a Paris faziam parte das melhores recordações que guardava desta época o já ex Padre Pedro, bem como uma expedição a França, com gente da paróquia, para um congresso eucarístico.
Em 1960 tinha falecido de repente o bispo Dom Domingos da Silva Gonçalves e o novo, Dom Policarpo de Costa Vaz, era muito distinto, era um bispo “politico”. O Padre Pedro tinha perdido o seu amigo e protector. Passaram cinco anos mais, com os seus mais e os seus menos. No ano de 1962 faleceu a Senhora Maria Adelaide, o que foi um golpe muito violento porque ela era o pilar da família. As dificuldades eram muitas e, em 1965, o Padre Pedro aceitou o que o bispo tinha disposto, quer dizer deixar Aldeia do Bispo e Aldeia de João Pires e ser enviado à paróquia de Santo Estêvão, no concelho de Sabugal.  Aí esteve um ano mas algo estava roto. Ainda neste tempo foi presidente do Sporting de futebol do Sabugal e se dizia que ele tinha tanto carisma que, quando chegava, a equipe começava a ganhar.
No dia 10 de Outubro de 1966, se foi para França onde foi recebido por um bispo duma diocese da região de Paris. Os imigrantes portugueses eram muitos e lhes dedicou muito tempo até que decidiu deixar o sacerdócio. Casou-se em Paris no dia 3 de Janeiro de 1970, o Dr Pires Marques e o Dr Martins da Cruz e as suas respectivas esposas assistiram ao casamento.
A Génesis desta união é uma marca mais da sua generosidade, no sentido mais amplio da palavra, que era uma das suas maiores qualidades mas, por respeito à duas pessoas também já falecidas, não convém entrar em detalhes.
No dia 16 de Junho de 1981 nasceu em Paris a sua filha, Patrícia que vive em Bordeaux
Durante os 16 anos mais que viveu em França depois de abandonar o sacerdócio, o Dr José Martins Gonçalves Pedro consagrou-se a criar escolas de Português, dizia que tinha uma amante que era a língua e a cultura portuguesa. Tinha um grande prestigio, não só junto dos Portugueses,  mas também junto dos Franceses que trabalhavam com ele.
Ele e eu nos conhecemos no mês de Outubro de 1985, em Paris. O seu matrimonio tinha chegado ao seu fim. Em maio de 1986, nos fomos a Portugal, pensando estar uma semana, mas nunca regressamos a França. Ele não se vangloriava dos seus êxitos passados e foi para mim uma enorme surpresa quando, no dia 24 de Agosto de 1986, fomos a Aldeia do Bispo e Aldeia de João Pires.  O Senhor José Maria veio buscar-nos  no Sabugal e, quando chegamos a limite do concelho estava uma dezena de carros a espera e na praça de Aldeia do Bispo estava uma comitiva impressionante. Tantas pessoas que lhe estavam agradecidas do que tinham obtido graças a ele. Foi um dia maravilhoso, para o meu marido, com certeza um dos mais emocionantes da sua vida e para mim, uma confirmação que não me tinha enganada, ele era alguém muito especial.
Ao fim de 1993, por motivos profissionais, fomos para Madrid onde vivemos 10 anos. No verão de 2003 saímos para fazer o Caminho de Santiago e, à volta, paramos em León e aí ficamos, embora com a ideia de regressar mais adiante a Galiza.  As coisas evolucionaram de outra maneira, embora os nossos projectos  estavam intactos. O meu marido era o mesmo, sempre jovem mental e fisicamente, dizia que queria chegar pelo menos ao século, mas, como eu tinha 20 anos menos e não queria ficar sozinha, acrescentava que não tinha mais remédio que continuar até que cumpra eu os 100!  A palavra reforma nunca fez parte do seu vocabulário, nem a expressão terceira idade. Não tenho a mais mínima dúvida que ele ainda estaria connosco de não ser pela acção negligente e irresponsável dum médico que lhe administrou um tratamento aberrante por uma patologia benigna que uns cuidados simples teriam curado em poucos dias. O seu último ano de vida foi muito penoso, não se merecia este, nem ele nem ninguém. Por isso, a homenagem que esta em preparação  tem ainda mais valor, se cabe, pelo menos para mim que vivi a dor de ver como se tinha destruído uma personalidade tão fora do comum. É como um desagravo.
Até no Sabugal, o Padre Pedro deixou marca. Em 1991, estávamos de passo pela cidade e uma vizinha lembrou que a estrada da Senhora da Graça foi feita graças a um sermão dele no santuário, dizendo que era uma vergonha que este lugar não tivesse uma estrada em condições, o que provocou a mobilização de toda a gente.


Deixei pelo fim algo que é imprescindível contar porque foi decisivo na vida de José Martins Gonçalves Pedro. Trata-se da sua amizade com o Padre José Miguel do Soito, o padre “milagreiro”, desde sempre chamado o “Padre Santo”, uma amizade que foi mais forte que qualquer circunstancia da vida. Lembro que uma vez que visitamos o Padre Miguel, a senhora Maria que, com o seu marido, cuidava dele, disse: “É que o Padre Miguel esta sempre com o Zé Pedro na boca.”. Zé Pedro, só o Padre Miguel e os amigos do seminário chamavam-lhe assim. O Padre Miguel sempre tratou o Zé Pedro como um filho.
Conheceram-se em 1940 nas Termas do Cró. O Padre Miguel estava aí para tratar uma colitis e o Zé Pedro para passar umas férias ja que o administrador do lugar era um primo por afinidade do seu pai. Os dos tinham nascido o mesmo dia, 11 de maio, com 20 anos de diferença, o Padre Miguel em 1912 e o Zé Pedro em 1932, quer dizer que o primeiro tinha 28 anos e o segundo, 8. Logo o Padre Miguel sentiu afecto por estou menino tão vivo. Ensinou-lhe a servir missa. Depois, quando o Padre Miguel estava de pároco em Malcata, a família Pedro também viveu na aldeia já que o senhor Jerónimo era comandante do posto da Guarda Fiscal. Assim o Zé Pedro conheceu a Da Dulce, irmã do Padre Miguel, que cuidava da casa e, depois casou em Malcata. Quando o Padre Miguel se foi para Meimão, o Zé Pedro ia a sua casa a passar férias. Conversavam muito, o Padre Miguel lhe dava muitos livros, revistas que recebia de França...  O Padre Miguel foi das poucas pessoas que o Zé Pedro  convidou a sua primeira missa. O seu breviário foi uma prenda do Padre Miguel e dos seus pais. Mais tarde, o senhor José Maria ia uma vez por semana buscar o Padre Miguel no Meimão para que venha a confessar a Aldeia do Bispo e sempre havia uma longa fila frente ao confessionário.  O Padre Miguel tinha longas conversas com a Senhora Maria Adelaide de quem dizia que era a mulher mais inteligente que ele tinha conhecido jamais. Também sentia muita estima pelo Senhor Jerónimo de quem dizia que era um bom homem, muito honesto e trabalhador.
Durante os 20 anos que  o Zé Pedro esteve em França, não houve nenhuma comunicação entre os dois amigos, nem cartas, nem chamadas, nada. O Zé Pedro, nem avisou o Padre Miguel que se tinha casado, nem falou nunca do Padre Miguel à sua esposa. Foi só pouco antes de partir para Portugal que ele rompeu este silencio, falando-me desta amizade tão excepcional.
Quando fomos ao Meimão, havia muita gente, vários autocarros, o Padre Miguel nem surpreendeu-se, foi exactamente como se tivesse visto o Zé Pedro na véspera, como se o tempo se tivesse detido todos estes anos. Um mês mais tarde, mais ou menos, o bispo deixou o Padre Miguel sem paróquia e foi só no principio de 1990 que voltamos a encontrar-nos com ele, na sua casa do Soito. Fazia muito frio, nos sentamos frente à lareira, tivemos mais tempo para conversar, o Padre Miguel falou  do Senhor Jerónimo, da Senhora Maria Adelaide, da família toda, escutou o que o Zé Pedro lhe contava da sua vida e, de repente, olhou para mim e disse-me: “A Senhora vai ser a minha delegada junto do Zé Pedro”. Foi algo inesperado, um imenso honor e uma grande responsabilidade, uma das duas coisas mais importantes que tinha ouvido jamais dirigidas a mim. A outra foi quando o meu marido disse que estava comigo porque, comigo estava de pé, com tudo o simbolismo que isso implica.
A partir daí o contacto não se voltou a romper, primeiro foi por telefone já que vivíamos no Monte Estoril. Depois, cada fim de semana íamos ao Soito. O Padre Miguel, desde muitos anos, tinha em mente a ideia duma fundação, ele falou-nos muito disso e sempre terminava dizendo com verdadeiro entusiasmo: “Vamos a isso”. Por razões que não convém enumerar aqui, este sonho comum não se pode concretizar, até agora... A vida da muitas voltas e a marca destes dois grandes espíritos tem que perdurar com realizações bem visíveis, quer dizer que o projecto segue muito vivo.
O meu marido estaria feliz de saber que se esta pedindo a beatificação do Padre Miguel.
Para terminar direi que mi marido e eu nunca nos casamos oficialmente, não fazia falta. Ele disse-me que, quando me viu por primeira vez, pensou: “É ela!”. Para mim, simplesmente, viver juntos foi evidente, era o nosso destino encontrar-nos a pesar dos nossos 21 anos de diferença de idade e de ter nascido a quase 2 000 km de distancia. Ele dizia que estava escrito nas estrelas. Foram 24 anos e sou muito orgulhosa de ter sido e ser, hoje e para sempre, a mulher de José Martins Gonçalves Pedro.

Texto de

Isabelle Saelens Delporte

1 comentário:

  1. Como o mundo é pequeno, meu Deus! Caro amigo, eu, como sabe, nasci em Malcata em 1960. Conheci o Padre Miguel e talvez o Cabo Jerónimo, pois recordo-me da existência da Guarda Fiscal em Malcata...e ainda da casa onde um cabo da guarda fiscal morava ( talvez fosse ele ). Encontrei este texto por mero acaso. Um abraço.

    ResponderEliminar